DANÇAR PARA ABJURAR O CORPO: COREOANÁLISE | Projeto “Circulação e manutenção de companhia SHINE + SEREIA”

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2018, Cia Perversos Polimorfos, Dança
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Projeto “Circulação e manutenção de companhia SHINE + SEREIA” – Cia Perversos Polimorfos – 23ª Edição do Programa de Fomento à Dança para a Cidade de São Paulo

Residência gratuita com Danilo Patzdorf.

No Centro de Referência da Dança (CRD) de 17 a 27/07 

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Sobre o primeiro dia da residência DANÇAR PARA ABJURAR O CORPO: COREOANÁLISE:

“Realizamos uma caminhada de 6 horas por uma das maiores florestas urbanas do mundo, a serra da Cantareira. Parece-me que para compreender o corpo urbano, e sobretudo o corpo paulistano, é necessário se observar fora desse emaranhado barulhento de ruas lisas. Ao atravessar um portão que divide essa reserva florestal da voracidade da cidade, permanece ainda em nossos corpos os hábitos e vícios do corpo adaptado ao ritmo violento das ruas. Caminhamos por mais de 10 km para abjurar essa corporeidade ansiosa, realizando uma única ação coreográfica: permanecer 10 minutos parados, em silêncio, no bosque mais afastado da entrada do parque. Ninguém passou por nós. Ninguém viu esta ação. Nenhum animal se moveu neste momento. Éramos floresta: intensa, plena, em permanentes movimentos imperceptíveis. O que movemos nessa dança não foi visível, o que movemos nessa dança não foi o corpo.

Conforme perguntou o André Lepecki: ‘Podem a dança e a cidade refazer o espaço de circulação numa corepolítica que afirme um movimento para uma outra vida, mais alegre, potente, humanizada e
menos reprodutora de uma cinética insuportavelmente cansativa, se bem que agitada e com certeza espetacular?’.

Destaque para a faixa de poluição que respiramos diariamente e que fica evidente nessa imagem.”

Texto-relato do Danilo Patzdorf.

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No segundo dia da residência DANÇAR PARA ABJURAR O CORPO: COREOANÁLISE:

“Decidimos simplesmente caminhar em fila pelo centro de São Paulo. Estranhamente uma simples imagem gerava grande estranhamento. Parece que contra a espetacularização generalizada do sofrimento, basta o singelo. Em espaços mais abertos, tornávamos um risco na paisagem, uma organização, uma proposição, uma corpografia. Em espaços mais movimentados, dissolvíamos, incluíamos outros corpos temporariamente nessa fila, tornávamos invisíveis. Ao final da caminhada, na rua 25 de Março, fizemos uma “dança curricular”, apresentando nossos currículos verbalmente e dançando aquelas habilidades que tanto estudamos há tantos anos. Uma pequena apresentação para abjurar essa identidade tão arduamente construída pelo artista e pelos corpos que possuem redes sociais, como esta onde você lê isso. Uma tentativa falha de cravar no espaço público tudo aquilo que aqui dizemos com tanta facilidade e escuta. Ouvi o adjetivo “vagabund@s” pelo menos duas vezes. Certamente, sentir prazer enquanto se trabalha (afinal, estávamos trabalhando) é um ultraje, é uma exposição pornográfica de certos privilégios, mas também de certas escolhas que poucas pessoas podem ou topam fazer: “ser artista” como aquele que questiona algumas normas em vez de repeti-las, “ser artista” enquanto aquele que se esfola durante o ano todo para ser comtemplado por um pequeno edital que te dará suporte por alguns meses para enfim publicizar aquilo que fermenta perpetuamente em nossas “pesquisas”, “ser artista” enquanto aquela que tenta profissionalizar a figura do ser que questiona a ordem vigente, pois, do contrário, desvaneceria a possibilidade do imaginar outros mundos.

Como disse Eleonora Fabião: ‘Fácil seria dizer que se tratam de operações adolescentemente provocativas promovidas por um punhado de sadomasoquistas e/ou idiossincráticos para chocar
o “senso-comum” (que aturdido perguntasse “o que é isso?” “para quê isso?” “afinal, o que eles querem dizer com isso?” “isso é arte?”). Porém, não há nada de fácil em lidar com a potência cultural dessas presenças, verdadeiras fantasmagorias assombrando noções clássicas ou tradicionais de arte, comunicação, dramaturgia, corpo e cena. Performers são, antes de tudo, complicadores culturais. Educadores da percepção
ativam e evidenciam a latência paradoxal do vivo – o que não pára de nascer e não cessa de morrer, simultânea e integradamente. Ser e não ser, eis a questão; ser e não ser arte; ser e não ser cotidiano; ser e não ser ritual.'”

Texto-relato do Danilo Patzdorf.