fonte: agenda de dança
A obra O Banho, que levanta a questão sobre como dançar o ponto de suspensão na qual nos encontramos entre vida e morte, premiada pela Associação Paulista de Críticos de Artes (APCA) em 2004, é revisitada após 15 anos da sua criação e estará em cartaz durante a Bienal Sesc de Dança (dias 14 e 15 de setembro). Composta de elementos de dança, performance e vídeo, a instalação coreográfica propõe uma reflexão sobre a subjetividade de Dona Sebastiana de Mello Freire, a Dona Yayá. Mulher da elite paulistana, ao ser diagnosticada como doente mental, teve a sua casa parcialmente transformada em um hospital psiquiátrico privado e nela permaneceu isolada por ordens médicas entre 1919 e 1961, ano de sua morte.
Durante a apresentação, o corpo de Soares permanece imerso em uma banheira que, para a performer, seria a síntese da casa de Dona Yayá, ou seja, uma “banheira-casa-útero”. Já as imagens em vídeo projetadas durante a ação remetem à dissolução do corpo e à passagem do tempo. Na ação, a artista explora via movimento os estados animado e inanimado do corpo tendo como referência as fotografias das histéricas realizadas no hospital Salpêtrière, em Paris, durante os experimentos médicos dirigidos pelo psiquiatra Jean Michel Charcot (1825-1893).
Nosso parceiro, Vitor Daneu (página “dicas de dança“) conversou a bailarina sobre a obra, e você confere abaixo:
Vitor Daneu: Qual trabalho corporal compunha sua rotina na época da criação de O Banho e como foi sua relação, mesmo após a criação dessa performance, com a técnica Watsu?
Marta Soares: A minha rotina na época da criação d’O Banho compunha-se basicamente de hatha yoga. Através de aulas em grupo e antes dos ensaios praticava por cerca de duas horas sozinha. Após a estreia de O Banho fiz uma sessão de Watsu quando quebrei o braço e estava fazendo fisioterapia na água. Mas foi muito interessante. Fiz a sessão com a fisioterapeuta com quem estava me tratando, portanto tinha total confiança nela o que me permitiu relaxar e me entregar às manipulações e movimentações que ela realizou no meu corpo passivamente. Deixando-me levar.
Vitor: Talita Alcalá Vinagre comenta que durante o tempo de imersão na Casa de Dona Yayá para “O Banho”, você captou imagens de suas caminhadas e pausas no solário de vidro e na banheira que você mesmo enchia com o auxílio de poucas panelas de água da Casa de Dona Yayá. Como era esse processo de encher a banheira com as panelas de água?
Marta: Eu mesma levava as panelas de casa para a casa da Dona Yayá. As enchia de água lá e aquecia em um fogão utilizado pelos vigias do local. E um dos vigias me ajudava a levar as panelas para encher a banheira com água quente. Era um processo bem improvisado. Quando a direção da Casa da Dona Yayá soube que eu estava filmando, sozinha, meu corpo nu imerso na banheira me impediu de continuar usando o banheiro para filmagem. Mas após longas conversas o impedimento foi suspenso para eu poder terminar de filmar a cena com ajuda de câmeras.
Vitor: Qual a referência da luz do espetáculo com a casa de Dona Yayá? Como você está imersa na banheira, a referência da luz te ajuda de alguma maneira a ter o timing da tua performance?
Marta: Essa luz eu experienciei ao filmar o meu corpo imerso na banheira da Dona Yayá por duas horas. E a partir dessa experiência surgiu a ideia de replicá-la na banheira durante a performance. Foi uma escolha estética que felizmente colabora para a sensação da passagem do tempo na banheira-casa durante a performance. A luz de janela recortada me traz, durante a performance, a sensação de passagem do tempo. Pois como a performance ela está em loop me relaciono com a luz sensorialmente. Por exemplo: a luz aquece a minha pele quando permaneço em pausa sob ela, e me traz memórias espaciais da casa da D. Yayá. A luz me traz a sensação do ambiente externo penetrando o ambiente interno, ou seja, penetrando o meu enclausuramento na banheira-casa.
Vitor: “Conectar para poder desorganizar”. Poderia comentar essa frase?
Marta: Eu acho interessante, a partir das minhas experiências com os Fundamentos de Bartenieff, trabalhar o corpo conectivamente a partir de princípios como iniciação, sequenciamento e finalização do movimento, entre outros, para depois desorganizá-lo. Acho mais interessante um corpo com conhecimento somático se desorganizar do que um corpo sem organização alguma se desorganizar. Essa é somente uma preferência estética pessoal não uma verdade única.
O Banho
Concepção, direção e performance: Marta Soares
Desenho de som: Lívio Tragtenberg
Desenho de luz: Wagner Pinto
Câmeras: Hélio Ishii, Marta Soares e Nelson Enohata
Edição e finalização do vídeo: Leandro Lima
Coordenação técnica: Cristiano Pedott
Produção: Beto de Faria, Cais Produção Cultural e José Renato de Fonseca Almeida.
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crédito da foto: João Caldas
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14 e 15/09 – (Campinas) – Espetáculo O Banho – Marta Soares e CIA – Bienal de Dança do SESC