O Homem com a Flor na Boca | Cacá Carvalho

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2011, Casa Laboratório para as Artes do Teatro, Produções anteriores do Zé Renato: individuais e em outras parcerias, Teatro
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É possível que uma das causas do sucesso de “O homem com a flor na boca”, interpretado por Cacá Carvalho, seja a forma articulada como o texto e o conteúdo estão dispostos diante dos sentidos do espectador. Todo o espetáculo é sobre a valorização da vida e o diálogo (aqui transformado em monólogo) parece misturar os conceitos de vida e de homem, tamanha é a forma como eles estão envolvidos. Na medida em que vemos o homem, vemos a vida que há nele. Desperdiçar o homem é, também, desperdiçar a própria vida. Não há meio homem (os centauros são seres mitológicos), nem tampouco meia vida. Ou se é homem ou não se é. Ou se está vivo, ou não se está. Um paciente terminal de câncer está tão vivo quanto um esportista, esse último passível de morrer de desastre aéreo. (“Pterodáctilos”, de Nick Siler, fala disso de uma forma muito clara) A direção de Roberto Bacci para o texto de Luigi Pirandello (1867-1936), sobretudo auxiliada pela cenografia de Márcio Medina, propõe um espaço em que o homem desfruta de olhar privilegiado para o outro homem, construindo e participando de um ecossistema que é vivo e principalmente vibrante no trabalho de Carvalho. Primeira parte da Trilogia Pirandello, a peça está em cartaz no Mezanino do Sesc Copacabana, zona sul do Rio de Janeiro.
O homem interpretado por Carvalho é intenso e guarda em si o medo de desperdiçar cada minuto de si próprio. Os versos são repetidos, as palavras ganham tamanhos maiores do que normalmente elas têm, as entonações são exploradas de jeito a ganharem cores fortes e a sairem como que em ondas. Coisas fúteis como um homem a embrulhar empacotes adquirem uma importância maior que a própria esposa sempre a espreita-lo. Nesse universo, a produção chama a atenção para o que estamos fazendo com a nossa própria vida. Nossos olhos estão bem abertos?
Com tema barroco, em que as contradições morte e vida, dentro e fora, saúde e doença, solidão e convívio evoluem, a peça está marcada pela simplicidade aparente e pela complexidade interna. Carvalho está simploriamente vestido, o cenário é o próprio público, não há gelatinas no desenho de luz e nem tampouco trilha sonora. Todo o ferramental, riquissimamente usado, está no homem diante de outros homens interpretando um terceiro. Daí vem, em conceito, a ideia de encontro, de ritual, de celebração que a dramaturgia de Stefano Geraci cria a partir do realismo de Pirandello. O texto original, encenado pela primeira vez em 1922, seria hoje, em mãos carentes de habilidade, um pobre melodrama de autoajuda. Aqui o que poderia ser chamado de câncer torna-se uma flor.
“O homem com a flor na boca” estreou em 1993. Fazem parte, junto com ele, da Trilogia, os espetáculos “A poltrona escura” e “umnenhumcemmil”, todos eles com a mesma ficha técnica. A idealização, não há dúvidas, honra o público carioca e merece ser aplaudida!
* Zé Renato como produtor antes de CAIS *